دانلود کتاب Verdade e Conhecimento

As traduções, notas, estudos introdutórios e glossário - elaboradas por Lauand e Sproviero, medievalistas da USP - permitem apreciar não só a profundidade do pensamento do Aquinate, mas também sua atualidade: trata-se de um livro certo, para o momento certo. Nesse sentido, Luis Rivera, um dos editores responsáveis pelo criterioso padrão da Martins Fontes (quantas editoras européias, hoje, atrever-se-iam a publicar um De Veritate bilíngüe?), tem uma concepção da perene atualidade (e oportunidade...) dos clássicos, assim expressa, informalmente, em recente entrevista: "... Clássicos como Aristóteles, por exemplo, que sempre volta quando a situação moral começa a ficar complicada. Aristóteles volta para 'pôr a casa em ordem'. Já quando as coisas estão 'meio quadradas' nasce uma sede por Platão e Agostinho... É claro que estou falando de modo caricatural. É isto que tanto me atrai nos clássicos: descobrir 'novos' clássicos e ver também o modo como cada época explora os clássicos. Há momentos em que um clássico passa despercebido, como Santo Tomás ou Hegel".
No caso, a atualidade de Tomás de Aquino é precisamente a afirmação - para uma época de ceticismo pós-moderno - da verdade e da possibilidade do conhecimento humano (não no sentido escolar e pacífico dos compêndios de epígonos "tomistas"), ao mesmo tempo que afirma as limitações desse conhecimento. É a dialética fundada na Kreaturlichkeit (Pieper), a "criaturalidade" como fundamento tanto da cognoscibilidade como da inesgotabilidade do conhecimento das coisas.
Assim, particularmente interessante é o método da quaestio disputata como objetivação ("o meio é a mensagem") dessa busca da verdade a partir das limitações humanas.
Os estudos introdutórios põem em destaque o amplo panorama de questões filosóficas discutidas por Tomás e que vão da corporeidade do homem aos fundamentos teológicos de nossa cultura, enfatizando, como não poderia deixar de ser, os agudos problemas da relação linguagem-ser.
Os tradutores nos tornam acessível este mundo, trazendo (de acordo com o sentido etimológico de "tradução") o autor, distante de nós mais de setecentos anos, em termos de pensamento e linguagem atuais. Um exemplo: junto com o conceito - central no pensamento do Aquinate - de participação ("ser" em oposição a "ter"), deparamo-nos com a (aparentemente) incompreensível sentença de Tomás: "não se pode dizer que o sol é quente"! Lauand, após expor que, na doutrina tomasiana da participação, o sol não tem calor; ele é calor, explica em bom português:
"Todas essas considerações parecem extremamente naturais quando nos damos conta de que ocorrem em instâncias familiares e quotidianas de nossa própria língua: um grupo de amigos vai fazer um piquenique em lugar ermo e compra alguns pacotes de gelo (desses que se vendem em postos de gasolina nas estradas) para a cerveja e refrigerantes. As bebidas foram dispostas em diversos graus de contato com o gelo: algumas garrafas são circundadas por muito gelo; outras, por menos. De tal modo que cada um pode escolher: desde a cerveja 'estupidamente gelada' até o refrigerante só 'um pouquinho gelado'... Ora, é evidente que o grau de 'gelado' é uma qualidade tida, que depende do contato, da participação da fonte: o gelo, que, ele mesmo, não pode ser qualificado de "gelado"... Estes fatos de participação são-nos, no fundo, evidentes, pois com toda a naturalidade dizemos que 'gelado', gramaticalmente, é um particípio..." (p. 59)
Por sua densidade e clareza, Verdade e Conhecimento é uma obra instigante e sugestiva que abre o diálogo - a partir do referencial clássico - com os temas mais agudos da filosofia atual.